Críticas suburbanas de uma sociedade sub humana

sábado, abril 07, 2007

Pra bom entendedor, meia taça basta!

Gostaria de publicar um artigo que meu amigo Paulo escreveu sobre um fato interessante ocorrido em uma das degustações que participamos.

Segue na íntegra:




O vinho e o tempo
Paulo Sampaio

Certa vez, participei de uma degustação de vinhos bastante educativa, talvez a que tenha me ensinado uma das mais importantes lições sobre o maravilhoso mundo de Bacco. Não que eu tenha aprendido grandes coisas sobre as características organolépticas dos vinhos provados ou sobre as regiões onde foram produzidos. A lição foi bem mais simples, porém, nem sempre óbvia, especialmente para aqueles que encaram o vinho como um modismo. Bom, vamos aos fatos...

O relógio da antiga e charmosa sala marcava 20h30, horário em que pontualmente se iniciavam as degustações em uma das mais tradicionais confrarias da capital paulista. Todos a postos, fichas na mão e, desta vez, também um folheto descrevendo as características de cada vinho a ser provado. Italianos, franceses, argentinos e chilenos comporiam o painel, cuja proposta seria contrapor aromas e sabores do vinho europeu e do sul-americano.

Salvo para os mais entendidos - um grupo de senhores de terninho e gravata que participam dessas degustações semanais há mais de duas décadas -, a idéia ali era beber muito e tentar conhecer um pouco sobre o básico do vinho. A dinâmica desse tipo de evento é bastante simples: os vinhos são servidos, um a um, e, após algumas cheiradas e goladas atentas, o condutor da degustação convida um participante para tecer comentários sobre o vinho, o que invariavelmente é feito - ou pelo menos era até aquele instante - pelos iniciados da gravatinha.

Em determinado momento, quebrando a monotonia do ritual, um rapaz de pouco mais de 30 anos levantou-se e, de forma bastante confiante, prontificou-se a fazer seus comentários. Fiquei surpreso com a coragem do cidadão e, ao mesmo tempo, humilhado! Afinal, apesar de ser contemporâneo do rapaz, eu tinha a mais absoluta noção do meu desconhecimento e da minha incapacidade de pedir a palavra para versar sobre aquele tema, naquele lugar, para aquelas pessoas.

Enfim, o fato é que, surpreendendo a todos e de forma bastante assertiva, o rapaz começou:

- Excelente vinho! Um típico cabernet sauvignon varietal do Novo Mundo!

Sob olhares espantados e antes que o pobre rapaz pudesse emendar qualquer outro comentário, o condutor da degustação, como se houvesse sido agredido, insultado, levantou a voz e exclamou:

- Mas como, se nessa taça que você segura está um italiano com 100% de sangiovese?

Ao receber a surpreendente notícia, o rapaz, visivelmente desconsertado, sentou-se e apanhou o folheto com a descrição dos vinhos da noite, balbuciando qualquer coisa parecida com “ não é possível “ . Todos esperaram alguma explicação; afinal, deveria haver alguma. E havia. Sem o menor pudor, o outrora confiante rapaz confessou que havia se confundido com a ordem dos vinhos e imaginado estar degustando um cabernet sauvignon argentino, cuja descrição, esta sim, era a de um “típico cabernet sauvignon do Novo Mundo “ .

Moral da história: conhecimento é igual a um bom vinho - tende a melhorar com o tempo. Não adianta tentar pular etapas e querer aprender tudo de uma vez. O conhecimento sobre o vinho precisa de tempo para evoluir, assim como a própria bebida. O bom aprendiz, neste caso, é aquele que, humildemente, bebe, bebe, bebe; e ouve o que têm a dizer aqueles que já beberam muito mais - eles mesmo, os da gravatinha.

2 Comments:

Blogger Gabi said...

tenho lá minhas dúvidas...
não acho que beber, beber, beber, e escutar vá contra uma atitude mais pró-ativa.
Talvez não tenha captado o ambiente, mas é como as aulas de inglês - os que menos sabem são os que devem falar mais e, provavelmente, vão falar muito pior que os 'da gravatinha', mas vão aprender a pensar. O tal trintão podia estar querendo apenas atenção, mas uma tentativa de aplicar o conhecimento ainda turvo - ainda mais em público - não deve ser repudiada.
Escutar apenas não acho que seja suficiente.

cacete, com esse frio e esse papo, faltou só o vinho!

10:32 PM

 
Anonymous Anônimo said...

Gabriela, acho que a comparação não foi lá muito adequada. Em um curso de inglês, você aprende a "falar" inglês. Logo, nada melhor do que "falar" para o aprendizado. Já no aprendizado sobre vinhos, aprende-se a "beber". Logo, deve-se "beber". Falar não irá contribuir muito. Sacou a diferença?

O que eu quero dizer é que um mudo pode entender de vinhos e saber beber, mas nunca falará inglês, ainda que conheça muito bem o idioma. Para aprender sobre vinhos, é essencial beber bastante (não de uma vez, é claro) e ouvir bastante também. Falar sobre serve tão somente para troca de informações ou, no caso da crônica, para demonstrar conhecimento.

9:31 AM

 

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