Pra bom entendedor, meia taça basta!
Gostaria de publicar um artigo que meu amigo Paulo escreveu sobre um fato interessante ocorrido em uma das degustações que participamos.
Segue na íntegra:
Segue na íntegra:

O vinho e o tempo
Paulo Sampaio
Certa vez, participei de uma degustação de vinhos bastante educativa, talvez a que tenha me ensinado uma das mais importantes lições sobre o maravilhoso mundo de Bacco. Não que eu tenha aprendido grandes coisas sobre as características organolépticas dos vinhos provados ou sobre as regiões onde foram produzidos. A lição foi bem mais simples, porém, nem sempre óbvia, especialmente para aqueles que encaram o vinho como um modismo. Bom, vamos aos fatos...
O relógio da antiga e charmosa sala marcava 20h30, horário em que pontualmente se iniciavam as degustações em uma das mais tradicionais confrarias da capital paulista. Todos a postos, fichas na mão e, desta vez, também um folheto descrevendo as características de cada vinho a ser provado. Italianos, franceses, argentinos e chilenos comporiam o painel, cuja proposta seria contrapor aromas e sabores do vinho europeu e do sul-americano.
Salvo para os mais entendidos - um grupo de senhores de terninho e gravata que participam dessas degustações semanais há mais de duas décadas -, a idéia ali era beber muito e tentar conhecer um pouco sobre o básico do vinho. A dinâmica desse tipo de evento é bastante simples: os vinhos são servidos, um a um, e, após algumas cheiradas e goladas atentas, o condutor da degustação convida um participante para tecer comentários sobre o vinho, o que invariavelmente é feito - ou pelo menos era até aquele instante - pelos iniciados da gravatinha.
Em determinado momento, quebrando a monotonia do ritual, um rapaz de pouco mais de 30 anos levantou-se e, de forma bastante confiante, prontificou-se a fazer seus comentários. Fiquei surpreso com a coragem do cidadão e, ao mesmo tempo, humilhado! Afinal, apesar de ser contemporâneo do rapaz, eu tinha a mais absoluta noção do meu desconhecimento e da minha incapacidade de pedir a palavra para versar sobre aquele tema, naquele lugar, para aquelas pessoas.
Enfim, o fato é que, surpreendendo a todos e de forma bastante assertiva, o rapaz começou:
- Excelente vinho! Um típico cabernet sauvignon varietal do Novo Mundo!
Sob olhares espantados e antes que o pobre rapaz pudesse emendar qualquer outro comentário, o condutor da degustação, como se houvesse sido agredido, insultado, levantou a voz e exclamou:
- Mas como, se nessa taça que você segura está um italiano com 100% de sangiovese?
Ao receber a surpreendente notícia, o rapaz, visivelmente desconsertado, sentou-se e apanhou o folheto com a descrição dos vinhos da noite, balbuciando qualquer coisa parecida com “ não é possível “ . Todos esperaram alguma explicação; afinal, deveria haver alguma. E havia. Sem o menor pudor, o outrora confiante rapaz confessou que havia se confundido com a ordem dos vinhos e imaginado estar degustando um cabernet sauvignon argentino, cuja descrição, esta sim, era a de um “típico cabernet sauvignon do Novo Mundo “ .
Moral da história: conhecimento é igual a um bom vinho - tende a melhorar com o tempo. Não adianta tentar pular etapas e querer aprender tudo de uma vez. O conhecimento sobre o vinho precisa de tempo para evoluir, assim como a própria bebida. O bom aprendiz, neste caso, é aquele que, humildemente, bebe, bebe, bebe; e ouve o que têm a dizer aqueles que já beberam muito mais - eles mesmo, os da gravatinha.


2 Comments:
tenho lá minhas dúvidas...
não acho que beber, beber, beber, e escutar vá contra uma atitude mais pró-ativa.
Talvez não tenha captado o ambiente, mas é como as aulas de inglês - os que menos sabem são os que devem falar mais e, provavelmente, vão falar muito pior que os 'da gravatinha', mas vão aprender a pensar. O tal trintão podia estar querendo apenas atenção, mas uma tentativa de aplicar o conhecimento ainda turvo - ainda mais em público - não deve ser repudiada.
Escutar apenas não acho que seja suficiente.
cacete, com esse frio e esse papo, faltou só o vinho!
10:32 PM
Gabriela, acho que a comparação não foi lá muito adequada. Em um curso de inglês, você aprende a "falar" inglês. Logo, nada melhor do que "falar" para o aprendizado. Já no aprendizado sobre vinhos, aprende-se a "beber". Logo, deve-se "beber". Falar não irá contribuir muito. Sacou a diferença?
O que eu quero dizer é que um mudo pode entender de vinhos e saber beber, mas nunca falará inglês, ainda que conheça muito bem o idioma. Para aprender sobre vinhos, é essencial beber bastante (não de uma vez, é claro) e ouvir bastante também. Falar sobre serve tão somente para troca de informações ou, no caso da crônica, para demonstrar conhecimento.
9:31 AM
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