Críticas suburbanas de uma sociedade sub humana

quarta-feira, julho 25, 2007

A culpa é de quem?

por Mino Carta

De Hong Kong liga Jean Paul Lagarride, aquele repórter francês que cobriu todas as guerras e as revoluções dos últimos cinqüenta anos. Todas, sem exceção. Pergunta, de abrupto: “Vai ter golpe?” Finjo cair das nuvens, notei na voz dele um toque de volúpia. “Golpe onde? Na Conchinchina?” Retruca, tenso: “Ali mesmo, nesta tua terra tropical, que diabo!” “Coisas da Cassandra”, digo eu, “e você sabe como é Cassandra... Ontem falei com ela, continua a mesma”. “Escuta”, volta ele à carga, “estou lendo os editoriais do Estadão, do Folhão, do Globo, as colunas das moças gárrulas, ouço a Globo, e fico de prontidão, lembrei-me d e1964”. Explico que os tempos mudaram, que os militares estão mais contidos e que a mídia especializou-se em produzir buracos n’água. “Mas este acidente é culpa do Lula, não é?”, retruca, com leve irritação. “E por acaso Lula era o piloto?”, respondo. “Mas se a pista desmorona, ao menos isso, é culpa dele”, sentencia. “De fato”, anuncio, “vi o Lula a caminhar pela avenida Washington Luis armado de pá”. A irritação dele fremente: “Você não leva as coisas a sério. Ao menos esse presidente iletrado poderia ter previsto as chuvas”. “De fato, ele já foi cotado para substituir o homem do tempo”, informo. Jean Paul está na iminência de subir a serra: “Se o Brasil não está pelo menos em segundo lugar no Pan, é culpa dele sim senhor. E se os juízes roubam contra os atletas canarinhos, de quem é a culpa? E se o real ainda não se equipara ao dólar? E se a safra de soja não for tão boa como a do ano passado?” Murmuro: “Sim, sim, e se apenas cinco por cento ganha de 800 reais para cima por mês?” “Arminio Fraga, de hábito tão otimista, pede cautela com o País, diz que o crescimento médio dos últimos anos, apesar do bom ambiente internacional, tem sido baixo, fazer negócios no Brasil ainda é difícil. E a culpar seria de quem?” Nunca ouvi um Jean Paul tão irrequieto. “Ah, sim o Arminio”, comento, “às vezes perco o sono ao imaginar o sofrimento dele, parceiro de desgraça de todos os ex-senhores do Banco Central, quando deixam o posto. Aí está, sofrem, sofrem demais, não conseguem mais levar uma vida, digamos assim, normal”. “Certo, certíssimo. E a culpa, de quem é?” “Liga para Cassandra”, proponho, “você precisa de combustível”. “É o que vou fazer”, diz ele. E desliga.